terça-feira, 29 de março de 2011

Testamento.

Um cara grande amigo meu

Se encontrava em estado terminal
Após inúmeros exames os médicos deram
A triste noticia:
"é grave, tamanha hemorragia não se vê
Dês de que Victor Hugo escreveu, Desejo, ou Pessoa a Tabacaria"
Era unânime, o poeta iria morrer.

No seu peito um grande ferimento irremediavelmente insistia em sagrar
E uma dor que ele mesmo traduzia como
"dor do existir"
Impedia aquele velho andarilho de versos
De trilhar seus passos pelas estrofes da vida.
Então antes que a penumbra vigente
Que reclina sobre a existência
Lhe retirasse a fosca luz dos olhos
Mandou chamar uma gama de vagabundos
Que comumente chamava de amigos
E todos os seus familiares queridos.

Da cama hospitalar, retirou seu caderno velho
Que sempre lhe acompanhava
Para caso viesse uma inspiração repentina
E começou a ler.
"meus bens dividam entre a família, para que todos possam assim gozar da riqueza que nunca tive..."
Mas que herança... debochou o sobrinho descarado, e logo os familiares do quarto saíram
Restando apenas a corja de maltrapilhos
De olhos incandescentes.
E prosseguiu o poeta...
"ao meu amigo magricela, te deixo meus rins, pois ora tarde ora cedo os seus hão de travar, não dê trabalhos a eles mais que eu não daria, uma doze de vodca diária e um quarto de pinga, acho que há de bastar...
Ao meu amigo amarelo, deixo os meus pés, neles tem asas sabe, e assim quem sabes podes voar mais longe que shangrilá, são pés surrados de forma grande, mas hão de te servir, para poder continuar zelando por outro vagabundo por ai...
Ao meu amigo pancreático, deixo a ti meu fígado, não haveria nada mais prático, com dois poderás beber por mim e por ti e quem sabe ultrapassar singelas dezenove horas de maratona, e pessoa ainda que o alimente com musica breganeja para poder junto a ti sorrir ...
A minha amiga de cabelos anelados, deixo meu sorriso raro, que mesmo tardio hão de confortar nas tardes sombrias quando a chuva te amedrontar...
Ao meu amigo guache, deixo meus pulmões mesmo que não muito bons um dia hão de te servir, e eu já não estarei por aqui para me acusar de telo iniciado na Tabacaria...
E ao meu amigo cabeludo, deixo meus olhos, para que possa ver o mundo, de uma forma mais prática, mesmo que eles sejam de certa forma antiquados, possam te abrir os prisma de viver, dar-te ambições a conquistar...
E aos demais amigos ausentes- pediu ele- quero que repartam meu coração, pois este é o único que suporta ser dividido, e mesmo que ferido de andar, em suas varias mãos ira parar de sangrar, quero que alimente a vida por mim, que gargalhem ao se lembrar da tolices que fiz, e saber...
Que nesta vida não tenho do que me queixar... pois amizades nunca há de faltar."

Assim como pedido, o doutor logo entrou na sala, e saiu distribuindo para os amigos do poeta seus únicos e verdadeiros bens
Quando todos já estavam com a herança em suas mãos ele passou pelo corredor, mas ninguém ousou olhar para ele, era assim que preferia, murmuravam uma canção que fala sobre escada e céu de uma banda inglesa que não me lembro o nome agora...
Pulou encima da moto e vazou para a biblioteca municipal...
Hoje vive de férias eternas em uma prateleira modesta
É vizinho de Pessoa e Drummond
Logo na esquina moram os romancistas
Com quem comprou briga logo na primeira semana que se mudara
Nas noites de sexta é possível ouvir o som
De sua poesia barulhenta encher os corredores
E os bibliotecários já não sabe o que fazer.
Com este inquilino que causa tamanha confusão.

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